"Anuncio em primeira mão que vou ser candidato ao município de Nenhures. Nenhures é uma povoação simpática que fica na fronteira de coisa nenhuma, entre quase nada e muito pouco. A vila é habitada pela tribo dos Ninguém. Os Ninguém adoram fazer nada, dizer mal de tudo e querem continuar assim para todo o sempre.
Comecei por lhes dizer que a data das eleições não me dava de todo jeito porque já tinha quiroprático marcado para esse dia. Insistiram. Invoquei, então, o meu baixo nível cultural e até alguma iliteracia. A falta de experiência em “gamar” a coisa pública. A ausência de vontade em aceitar subornos. A dificuldade no tráfico de influências. Cheguei mesmo a refugiar-me nas três multas de estacionamento e num excesso de velocidade que, embora já prescritas, podiam eticamente comprometer. Nada. Lembrei-me que em puto tinha fumado uns charros. Acharam que só dava experiência para lidar com a juventude. Onde eu via defeitos eles viam qualidades. Fizeram um abaixo-assinado. Consideraram que ser magro, quase careca e usar óculos eram requisitos bastantes para a minha candidatura. Acabei por aceitar à falta de argumentos decisivos.
Anuncio, pois, formalmente a minha candidatura a Nenhures. Vai ser uma campanha totalmente electrónica. Não tenho pachorra para comícios, muito menos para febras com batatas fritas e bacalhau com natas. Detesto inaugurações. Abomino procissões. Odeio charangas e bandas populares. O meu lema será “Eu Voto Em Mim”. As minhas propostas serão avassaladoramente irrelevantes. Desafio a que outros façam o mesmo e no fim vamos a votos e que ganhe o pior. Quero as vossas opiniões, as vossas críticas, os vossos anseios. Nada será tido em conta, mas pelo menos desabafam. Votem em mim que eu também não."
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