Muitas formas existiriam de se analisar o fenómeno, mas os factos bastam, assim de repente; como repentino é o acontecimento que, de surpresa, se banalizou: todos os dias morrem idosos em absoluta solidão.
Morrem na existência para o mundo dos outros, na realidade da estatística - abrem-se as bocas pelo espanto da dezena, num só mês. A dezena que se descobriu. A dezena que iniciou a severidade de muitos outros meses de mortes em catadupa, como são todos os anos das nossas existências.
"Morrem da constante ausência de quase tudo o que sustenta o espírito, mesmo que o corpo vá continuando.Soçobram nos espaços ocultos que lhes amparam os passos, atrás de portas invisíveis aos olhos da vida.
E existe o medo. A vergonha. As dores. Provavelmente, a revolta.
Existe um passado tantas vezes sombrio, um presente de faltas, um futuro de nada.
E, dentro deles, a pessoa com sonhos.
Ainda."Belíssimo texto da minha amiga Margarida no "Destino marca a hora"
Fico contente que tenha gostado..., mas a inspiração é deveras melancólica. Pouco depois de ter redigido tal, soube-se de mais uma partida silenciosa.
ResponderEliminarE 66 anos, francamente, é idoso o quê?!
Hoje em dia, "idosos" são a partir dos oitenta e muitos (salvo uma ou outra excepção).
Numa sociedade ideal, mesmo com independência logística, a inter-dependência de afectos seria, mais do que uma realidade, uma necessidade natural (e não imposta, como agora se vai pretender).
Sem se 'atropelarem' ou se invadir espaços essenciais de existência, necessitamos dos mais experientes como da juventude que nos faz recordar a nossa própria inicial.
Dos sonhos e dos pesadelos se faz a vida diária e para suportá-los (às vezes os piores não são os mais evidentes) precisamos de colo dos mais velhos, como, para sermos justos e sadios, devemos proporcioná-lo a eles.
E 'colo' pode ser tão-somente um aceno sorridente.
Isso pode iluminar uma alma.
Ou salvá-la.
Xi-coração, Heleninha.
Cara Helena
ResponderEliminarEsta solidão que a fotografia sugere é algo tão cruel. Tenho ficado chocada com estas notícias, de saber que abandonamos quem já nos fez tanto. Escrevi um texto já em 2010 creio sobre a ausência de pessoas de idade (à falta de melhor expressão) nomeadamente na televisão e nos media em Portugal. (QualIDADE) Porque é tudo arrumado na prateleira sem valorizar a experência, a sabedoria... Cansa tanto culto da juventude, das caras novas e em forma. Cansa.
Subscrevo o texto e os comentários, de facto é de repensar o caminho dos afetos que exclui,e que pena só a melancolia responde...
ResponderEliminarOutra (possível)legenda
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Este banco de jardim ainda me pertence
ganhei-o por direito e antiguidade
aqui troquei com ele o primeiro beijo
aqui descansei cada barriga
cada filho
aqui os vigiei quando brincavam
e eu pedia baixinho que poupassem as calças e os joelhos
aqui desabafo esta saudade
aqui chorei
quando já grandes
partiram todos para a distância
aqui também
soube nos papéis que me deram
que o meu homem já não durava muito
É neste meu canto de sempre
que venho lembrá-los todos
um a um
enquanto espero
que ao menos de vez em quando se vão lembrando de mim
"têm lá a sua vida"é o que se diz... não é assim?
comigo
o amigo de sempre
o saco das compras
cada vez mais pequeno e marreco como eu
hoje foi difícil escolher entre ele e a conta da farmácia
(ganhou ele)
amanhã quem sabe volto lá...
amanhã?
para que quero eu um amanhã???
Triste imagem, lindo texto, belíssimo poema.
ResponderEliminarAinda estamos atentos.