terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Muitas formas existiriam de se analisar o fenómeno, mas os factos bastam, assim de repente; como repentino é o acontecimento que, de surpresa, se banalizou: todos os dias morrem idosos em absoluta solidão.

Morrem na existência para o mundo dos outros, na realidade da estatística - abrem-se as bocas pelo espanto da dezena, num só mês. A dezena que se descobriu. A dezena que iniciou a severidade de muitos outros meses de mortes em catadupa, como são todos os anos das nossas existências.

"Morrem da constante ausência de quase tudo o que sustenta o espírito, mesmo que o corpo vá continuando.Soçobram nos espaços ocultos que lhes amparam os passos, atrás de portas invisíveis aos olhos da vida.

E existe o medo. A vergonha. As dores. Provavelmente, a revolta.

Existe um passado tantas vezes sombrio, um presente de faltas, um futuro de nada.

E, dentro deles, a pessoa com sonhos.
Ainda."

Belíssimo texto da minha amiga Margarida no  "Destino marca a hora"

5 comentários:

  1. Fico contente que tenha gostado..., mas a inspiração é deveras melancólica. Pouco depois de ter redigido tal, soube-se de mais uma partida silenciosa.
    E 66 anos, francamente, é idoso o quê?!
    Hoje em dia, "idosos" são a partir dos oitenta e muitos (salvo uma ou outra excepção).
    Numa sociedade ideal, mesmo com independência logística, a inter-dependência de afectos seria, mais do que uma realidade, uma necessidade natural (e não imposta, como agora se vai pretender).
    Sem se 'atropelarem' ou se invadir espaços essenciais de existência, necessitamos dos mais experientes como da juventude que nos faz recordar a nossa própria inicial.
    Dos sonhos e dos pesadelos se faz a vida diária e para suportá-los (às vezes os piores não são os mais evidentes) precisamos de colo dos mais velhos, como, para sermos justos e sadios, devemos proporcioná-lo a eles.
    E 'colo' pode ser tão-somente um aceno sorridente.
    Isso pode iluminar uma alma.
    Ou salvá-la.

    Xi-coração, Heleninha.

    ResponderEliminar
  2. Cara Helena
    Esta solidão que a fotografia sugere é algo tão cruel. Tenho ficado chocada com estas notícias, de saber que abandonamos quem já nos fez tanto. Escrevi um texto já em 2010 creio sobre a ausência de pessoas de idade (à falta de melhor expressão) nomeadamente na televisão e nos media em Portugal. (QualIDADE) Porque é tudo arrumado na prateleira sem valorizar a experência, a sabedoria... Cansa tanto culto da juventude, das caras novas e em forma. Cansa.

    ResponderEliminar
  3. Subscrevo o texto e os comentários, de facto é de repensar o caminho dos afetos que exclui,e que pena só a melancolia responde...

    ResponderEliminar
  4. Outra (possível)legenda
    ---------------------------------------------

    Este banco de jardim ainda me pertence
    ganhei-o por direito e antiguidade
    aqui troquei com ele o primeiro beijo
    aqui descansei cada barriga
    cada filho
    aqui os vigiei quando brincavam
    e eu pedia baixinho que poupassem as calças e os joelhos
    aqui desabafo esta saudade

    aqui chorei
    quando já grandes
    partiram todos para a distância
    aqui também
    soube nos papéis que me deram
    que o meu homem já não durava muito

    É neste meu canto de sempre
    que venho lembrá-los todos
    um a um
    enquanto espero
    que ao menos de vez em quando se vão lembrando de mim
    "têm lá a sua vida"é o que se diz... não é assim?

    comigo
    o amigo de sempre
    o saco das compras
    cada vez mais pequeno e marreco como eu
    hoje foi difícil escolher entre ele e a conta da farmácia
    (ganhou ele)

    amanhã quem sabe volto lá...
    amanhã?
    para que quero eu um amanhã???

    ResponderEliminar
  5. Triste imagem, lindo texto, belíssimo poema.
    Ainda estamos atentos.

    ResponderEliminar