"... dói-nos tudo. (...) Ontem apanhámos todos os limões amarelinhos. Quilos e quilos e quilos..., vou oferecê-los, como tenho feito. Mas o Limoeiro fica carregadíssimo de centenas de outros, ainda verdes, de todos os tamanhos. Logo agora é que ele havia de querer explodir...
E as videiras?! Bem..., são tantos os cachos de uva (branca), que dá dó deixar aquilo tudo para trás...
E as videiras?! Bem..., são tantos os cachos de uva (branca), que dá dó deixar aquilo tudo para trás...
As roseiras também se lembraram agora de ficar ainda mais estupidamente lindas e por mais que traga rosas às braçadas, no dia seguinte estão lá outras, a rir-se de nós...
Acho que o quintal nunca esteve tão pujante e viçoso. Uma injustiça, que nos mata o coração.
À minha mãe porque criou tudo de pequenino do nada e eu porque sei (mas não lhe digo) que quem comprar aquilo vai terraplanar para fazer anexos e outras 'benfeitorias', e vai tudo 'de charola', porque não representa nada para mais ninguém, e as pessoas, em geral, são insensíveis à natureza.
Trouxe um pedacinho do chão de cimento do quintal, que se soltou à minha frente (juro) parecendo querer constituir-se como recordação. E a chave do toilette, que é muito gira (a do meu quarto é banal). Já tirei mil fotos. A tudo. E ainda vou tirar mais, quando estiver vazia, antes de fechar a porta pela última vez.
A minha casa tem uma luz inigualável.
Os vidros martelados de há cinquenta anos irradiam a diferença e o sol da tarde inunda tudo, de uma ponta à outra.
O chão brilha e as escadas contam histórias nos desenhos das madeiras onde tanto subi, desci, brinquei, corri, escorreguei...
O chão brilha e as escadas contam histórias nos desenhos das madeiras onde tanto subi, desci, brinquei, corri, escorreguei...
As paredes, que pintei algumas vezes, gravam a vida de décadas e se encosto o ouvido, deixam-me recordar as passagens mais felizes. E só essas. A minha casa é tão generosa que não permite memórias tristes, nem recordações de maldades e omissões.
Por isso falo com ela com amor e saudade e ela me ampara com o carinho que só um berço proporciona.
Por isso falo com ela com amor e saudade e ela me ampara com o carinho que só um berço proporciona.
Por isso me dói tanto, tanto, tanto, ter de a deixar.
É mais do que uma casa, é muito mais do que paredes, madeiras, vidros, telhas.E não o quereria de outra maneira, porque quem sofre assim, ama desmesuradamente.
E eu sou uma assumida alma de excessos (...)".
Este "desabafo" que recebi da minha amiga Margarida merece ser partilhado.